domingo, 8 de janeiro de 2017

Chover no telhado molhado da corporação de que vale professor?!...


SIC GANHA, LIGA PERDE


«Há três meses atrás manifestei aqui uma intuição: a entrada em cena do Tribunal Arbitral do Desporto iria proporcionar a apreciação jurisdicional em tempo do "ordenamento desportivo" emitido pelas federações desportivas, pelas associações territoriais, pela liga profissional e pelas demais entidades desportivas, nomeadamente enquanto regulamentação emitida no exercício de poderes públicos delegados pelo Estado. Não foi intuição de grande rasgo, diga-se, uma vez conhecendo os poderes de sindicação e controlo que a lei atribui ao TAD, uma espécie de "tribunal administrativo especializado" para os litígios desportivos. Não é de estranhar, por isso, que, nesta primeira semana de 2017, se conheça a mais recente comprovação do exercício dessas competências do TAD.


A estação televisiva SIC (legitimada pela emissão de programas dedicados à análise do futebol) pediu ao TAD a declaração de ilegalidade das normas regulamentares da Liga (propostas pela Direcção e aprovadas para a época em curso) que proíbem aos dirigentes e funcionários das sociedades e dos seus clubes fundadores a participação como "intervenientes regulares" em programas televisivos de comentário, sujeitando-os, em caso de desrespeito, a suspensões e multas. Estavam também incluídas na acção as limitações traduzidas na norma que permite a esses agentes participar nesses programas apenas como "convidados" e comentar apenas "aspectos positivos do jogo" e sem "impacto negativo". Percebera-se há muito as dificuldades de compatibilização dessas restrições com princípios jurídicos gerais na área dos direitos fundamentais (suspendeu-se inclusivamente um processo disciplinar na FPF) e a colocação a jeito da Liga para ser obrigada a afastar da sua regulamentação as normas em crise. O TAD confirmou esse juízo: (1) ilegalidade por violação da "liberdade de expressão" (e tradução do direito ao "livre desenvolvimento da personalidade") protegida pela Constituição, na sua dimensão de "proibição de censura", sem fundamento constitucional idóneo para essa violação; (2) as normas consideradas ilegais são "organicamente inconstitucionais" enquanto limitadoras (sem competência) de "direitos, liberdades e garantias"; (3) ilegalidade por violação da "liberdade de programação" dos operadores televisivos, tutelada pelo artigo 26º da Lei da Televisão, enquanto consequência das restrições à liberdade de expressão.

O caminho faz-se e é irreversível. Ao princípio estranha-se. Mas o TAD será cada vez mais decisor e protagonista.»
(Ricardo Costa, Por força da lei, in Record)

Àquilo que Ricardo Costa considera "não ter sido uma intuição de grande rasgo", exactamente porque conhecendo "os poderes de sindicação e controlo que a lei atribui ao TAD", qualquer jurista minimamente sagaz seria levado a concluir que "a entrada em cena do Tribunal Arbitral do Desporto iria proporcionar a apreciação jurisdicional em tempo do 'ordenamento desportivo' emitido pelas federações desportivas, pelas associações territoriais, pela liga profissional e pelas demais entidades desportivas, nomeadamente enquanto regulamentação emitida no exercício de poderes públicos delegados pelo Estado", permita-me o ilustre cronista considerar como a redescoberta da pólvora, cujo mérito, por muito que tente, jamais conseguirá retirar aos chineses, que há mais de vinte séculos o conseguiram.

De facto, com todo o respeito que me possam merecer a arenga e o seu autor, sentir-me-ei sempre disposto a dizer bem da forma com é entoada a canção, mas nunca encantado. Porque o ilustre jurista e professor catedrático joga bem com as palavras, mas faltar-lhe-à o talento de António Aleixo para, além de cantar bem, nos deixar encantados e esclarecidos.

Fala RC da justas expectativas que resultaram da criação do TAD, volto a citar, por poder vir a facultar, "a apreciação jurisdicional em tempo do ordenamento desportivo"! Palavras sábias se porventura, em vez de se revelarem quase atribiliárias, gongóricas e inconsequentes, correspondessem à verdade. E os factos incontornáveis apontam para que o TAD esteja a falhar de forma colossal... no tempo, na "apreciação jurisdicional em tempo"!...

Ser instância "decisora e protagonista" não me parece aquela que apenas com a época a meio, proclama a inexiquibilidade  de uma lei em vigor desde o princípio dessa mesma época.

Ser instância "decisora e protagonista" não me parece aquela que apenas depois do presidente de um clube ter cumprido severa pena de suspensão, vem, demagógica e inconsequentemente revogar essa pena.

Ser instância "decisora e protagonista" não me parece aquela que optou pelo lazarento "banho maria" para cozinhar os "vouchers"!...

Ora estando perante todos nós e à vista desarmada a clamorosa falha "em tempo" do TAD, o que seria expectável e desejável era que RC nos conferisse o privilégio do conhecimento sobre as causas que estarão a impedir tão desejado tribunal, de cumprir cabalmente os objectivos que presidiram à sua criação e/ou a contribuição que certamente estará ao alcance de tão distinto jurista, no sentido de agilizar o modo e o tempo de intervenção de todos aqueles que a ele entendam recorrer.

Chover no telhado molhado da corporação de que vale professor?!...

Leoninamente,
Até à próxima

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